Lost é uma jornada do real à realidade fantástica e, finalmente, ao espiritual. Como qualquer caminho da iluminação, não adianta ser informado friamente sobre o que há por trás do véu, é preciso erguê-lo aos poucos para que o conhecimento não seja imediatamente rejeitado pelos sentidos. Começamos a série com um grupo de pessoas que viviam um acidente de avião bastante real, que se deparavam com situações verossímeis porém desconectadas (ursos polares numa ilha tropical), depois analisavam cientificamente a ilha (com a ajuda dos restos mortais da Iniciativa Dharma) e progressivamente descobriam que, assim como a ciência em relação a Deus, embora a maioria das coisas inicialmente inexplicáveis tivessem causas científicas, essas próprias causas científicas muitas vezes continuavam um mistério em sua fonte. Os efeitos estranhos da ilha eram causados pelo magnetismo, mas o que causa o magnetismo? Os Outros eram pessoas como os Losties que foram para a Ilha para seguir um sujeito chamado Jacob, mas quem era Jacob? Pouco a pouco, as pequenas estranhezas se tornaram grandes estranhezas: viagens no tempo, teletransporte, humanos imortais, uma fumaça negra sensciente que se locomove por aí. Coisas que a ciência fantástica já fazia malabarismo para explicar. E agora, enfim, uma parábola digna das religiões nos traz ao cerne de fé da série, àquele ponto em que a ciência joga a toalha e se assume incapaz de explicar com as ferramentas que tem à mão.
E se você prestar atenção no que está sendo contado ao invés de procurar respostas como quem pula para as últimas páginas de uma revista de passatempos, verá que a ciência e a fé continuam equilibradas no universo de Lost. Toda a história de Jacob e seu irmão sem nome é a mesmíssima história ecoada por Jack e Locke na primeira temporada, a batalha entre a ciência e a fé. Jacob é o homem da fé, aquele que mesmo se sentindo preterido e às vezes diminuído na presença do irmão engenhoso, aceitava o que sua mãe lhe dizia, as regras que seu irmão criava, aceitava seu destino como lhe era apresentado. Já o homem de preto era a ciência. Aquele que passava a infância se questionando sobre o que havia além do mar, aquele que questionava a sabedoria da "mãe," aquele que abdicou da divindade para se unir aos homens, cuja falibilidade ele desprezava, por admirar sua curiosidade e seu questionamento. Aquele que queria estudar a Luz como um cientista estuda a natureza. Aquele que se revoltou contra a criação por esta lhe esconder respostas e que matou Deus.
No fim das contas, Lost continua sendo exatamente o que seus produtores sempre disseram que seria, uma história sobre fé versus conhecimento. E a julgar pela trajetória do protagonista Jack Shepherd, que é o cientista convertido pelo sacrifício do profeta John Locke, pode-se dizer que a "moral" de Lost está do lado da fé, ao menos daquela fé intrínseca e necessária para que o homem não vire uma máquina. Não acho errado. Ciência e Fé, em obras de ficção, são metáforas para Razão e Sensibilidade. E eu, como uma pessoa naturalmente dada à Razão, sei bem que levei muito tempo e muita porrada até entender que a Sensibilidade não pode ser ignorada em nenhuma equação e que a Razão pura é muitas vezes amoral e danosa, por mais elegante e poderosa que ela possa ser. Em um mundo onde a fé é praticamente só usada - racionalmente - para fins políticos, Lost conseguiu mostrar, de uma forma amigável para as mentes inquisitivas do século da Ciência, que há beleza na fé. Que há coisas que a Ciência não consegue tocar, mas consegue destruir se quiser, e isso é um território perigoso. Mas não sem fazer uma ressalva, claro. Quando Jacob se deixa levar pela emoção, mata seu irmão e abre a Caixa de Pandora que agora ameaça engolir o mundo com sua escuridão tecnocrata na forma do Fake Locke, a mensagem é cristalina: a fé cega é infinitamente destrutiva.
Hoje, exatamente nesse horário, enquanto escrevo esse post; o ultimo episódio dessa saga esta sendo contada...................e para aqueles que apreciaram essa maravilha, nos resta agora mergulharmos nessa ultima aventura desses personagens que conhecemos e acompanhamos durante seis anos.
NAMASTÊ
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